Tuesday, October 12, 2004

Lector in Studio IV

Quando entrou no domínio de ciências mais elaboradas que não os vulgares Meio Físico e Social, Matemática ou Português, e se familiarizou com divergências destas mesmas matérias que convergiam sempre num mesmo ponto o conhecimento, surgiu-lhe o primeiro Amor.

Desde cedo que Orniciteplático se dava melhor com raparigas do que com rapazes. Durante algum tempo a família e os professores temeram que um dia mais tarde se tornasse naquele monstro terrível e horripilante, a incarnação da homossexualidade, “coisa anti-natura do demo, cruzes canhoto” dizia a avó na ambígua moralidade que tantas vezes surpreendia quem a ouvia. É que desde cedo educara os netos “o sexo é porco, só deve ser usado para a procriação, ela não sabia esta palavra, para fazer filhos e às escuras, Deus Nosso Senhor nos livre de ter criado isso para gosto das gentes. Ouvi rapazes é assim não vos desvieis do caminho certo”. Vai daí a maturidade sexual dos garotos veio tarde e aos tropeções.

Foi nessa altura que, como dizíamos, Orniciteplático sentiu pela primeira vez o cheiro, a cor, o som, não o toque, do Amor, não às escuras mas de luz muito acesa e com o monocordismo do professor de Português como música de fundo, Platónico.A primeira vez que se sentou na aula e tomou consciência de quem estava a seu lado, fez com que todas as modelos que vira nas revistas e que admirava tanto, fossem despantaeadas, para dar lugar nesse seu altar ao sua doce e bela Pancromícia.

Lector in Studio III

Numa das suas incursões, viu um grupo de peregrinos romando a uma capela das redondezas que tinha como orago S. Bartolomeu, e resolveu segui-los. Ora esta capela ficava situada na bordejadura do mar, e os romeiros, mais ou menos bem informados da topografia e geografia da zona, mais mal que bem como vamos constatar de seguida, sabiam que uma das premissas para obter os favores deste santo, de poderes difusos mas eficazes, era dar sete mergulhos nas ondas do mar.
Hei-los então chegados a uma montanha semeada de batólitos graníticos que não teria mais que 150 metros de altitude, mas com um declive algo considerável. Vendo todo o espaço à sua frente semeado com bancos de nevoeiro, os caminhantes não tem mais nada e um após outro, atiram-se de cabeça em direcção ao precipício, tendo como resultado cabeças rachadas, braços e pernas partidas e escoriações em várias partes do corpo somenos importantes para aqui estarem a ser descritas ao pormenor.
Não havia memória de caso tão insólito, e no hospital onde Orniciteplático nascera anos atrás muito menos. Também, e a bem da verdade diga-se nunca tinha havido registo de toda uma população adulta de uma aldeia estar internada no mesmo sítio pela mesma causa disparatada com consequências tão díspares.
Este episódio, para além de insólito aos olhos do pequeno explorador, foi acima de tudo incompreensível. Anos mais tarde o Gerador explicar-lhe-ia que as pessoas daquela freguesia cultivavam e bebiam um vinho que se cria provocava danos cerebrais irreversíveis.
Episódios destes interrompiam as suas explorações com uma frequência que não lhe fazia muita diferença, mas que a certa o altura o tornaram num viciado em histórias insólitas, que registava mentalmente no pequeno cérebro, com esperança que se não produzissem vinho num futuro próximo, pelo menos seriam passas.

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