Thursday, July 21, 2005

Yang


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Ela ri-se e diz que ele tem piada. Começo a sentir um bocadinho de espuma raivosa a sair pelo canto da boca. Cinco minutos de sedução barata (tentativa de), e já estou enjoado. Sinto o pâncreas aos berros e acho que está na hora de reforço etílico.
O Cromo levanta-se e dirige-se à casa de banho, Ela repara que estou a olhar e sorri antes que eu tenha tempo de desviar o olhar embasbacado.

Mas que raio, porque diabos fizeram as mulheres com esta intuição apurada?! Para isso existem as leoas. Já não digo coisa com coisa.
Estou fodido, que vou fazer agora? Sentar-me na mesa dela? Não posso senão amanhã estou a fazer uma plástica completa, afinal o Cromo pelo tamanho que tem é um Poster.

Ok my friend, switch to shy mode.
Fico estático à espera de convite.

Eis o Poster de regresso. Bem podias ter caído à sanita, penso.
Tenho que me fazer homem. Já sei, se calhar até resulta, aliás ele tem todo o ar de quem é capaz de alinhar pela minha bitola.
Quando o empregado passa, cochicho-lhe a frase mestra do Plano, o rastilho que pode arder para os dois lados.

Pouco tempo depois o empregado põe na mesa um whisky e diz qualquer coisa ao Poster. Ele olha para mim, cora e sorrio. Ela muito espantada faz um sorriso amarelado de alívio e eu, por dentro, carregado de adrenalina, penso no que me fui meter.
O Poster diz qualquer coisa em surdina à rapariga, deixa cinco euro na mesa e vai-se embora sem me olhar.
Resultou mas não come estava à espera.

Ela levanta-se e senta-se na minha mesa.
- Sempre pensei que estivesses a olhar para mim e não para ele.
- Como é que é?
- Foi um grande acto de coragem expores-te assim, afinal não é todos os dias que se tem coragem para oferecer um copo a outro homem. Ainda não te conheço, mas já te admiro por ires à luta independentemente da opinião das outras pessoas.
Olho para um lado, olho para o outro, confuso, desorientado, e dou de caras com o empregado que sorri encostado ao balcão.

Vem ter connosco e explica:
- Desculpem o atrevimento, mas não pude deixar de reparar que vocês os dois já estavam a admirar-se mutuamente antes daquele senhor chegar. Como são os dois clientes da casa, e já deu perceber como pensam e do que gostam , achei que estavam bem juntos, e que aquele senhor viria estragar tudo.
Ora quando este senhor me disse para oferecer uma bebida ao outro senhor, talvez com o intuito de o alcoolizar e em consequência promover o seu afastamento precoce da menina, resolvi improvisar e disse-lhe que o senhor achava que ele tinha uns olhos muito bonitos e que gostava de o conhecer.
Homofóbico como é, eu tinha a certeza que ele se afastaria, e o resto estava por vossa conta, afinal estavam num ponto de não retorno.
Tinha ou não tinha razão?!

Ela começou a rir-se à gargalhada, e eu balbuciei um obrigado. O empregado afastou-se e eu e Ela, não importa o nome, ficamos.


Sem título


Acabei de tomar o meu café e rapidamente fui-lhe no encalço. Aquele ar desordenado, que parecia o meu quarto antes da arrumação de fim de mês dava-lhe um charme que me atraia. Segui-a com cuidado para não dar conta, e passados uns minutos que pareceram horas, de tensão, lá consegui, com o que me parecia o consentimento dela, entrar na casa dela.

Meti conversa “que horas são”, bastante estúpido porque quando perguntei estavam a bater as onze no sino da Bolsa, mas ela não achou estranho, e passado um pouco por entre os “cá estamos” e “será que amanhã chove”, ela cedeu-me a passagem.

Porque é que eu não aprendo, é sempre a mesma coisa. Meto-me sempre nestas embrulhadas e depois tenho que andar a executar estes trabalhos sujos. Ora bem, vamos com calma. Recorro à minha memória fotográfica e através da imagem que tinha, tento reconstituir tudo como estava. Limpo, desvio, recoloco, tudo nos seus devidos lugares, pelo menos tento. Apago os vestígios da minha passagem, estou atento aos cheiros e à possível sujidade que possa ter deixado para trás, com esperança que não se perceba que eu passei por aqui.

Depois de uma garrafa de vinho, fiquei descontraído e como não podia deixar de ser, beijei-a e com a sofreguidão de quem não o fazia à muito tempo, suguei tudo o que a habitava, medos, prazeres, segredos, lágrimas, calor, enfim tudo, ou pelo menos assim o pensava. Quando acordei reparei que o tinha feito outra vez, decididamente não tinha emenda.

Quando for julgado por estes crimes acho que vou estar em reclusão por muito tempo. Com cuidado e para não fazer estardalhaço desnecessário, olhei para ela ali estática e com as devidas precauções abri a porta espreitei e saí o mais disfarçadamente possível.
Quero ser invisível, que ninguém me veja, que não me consigam identificar, aliás é este o meu modus operandi. Acho que consegui mais uma vez.

Sobressalto-me com o toque do telemóvel. Não pode ser, eu matei-a! Do outro lado com uma voz que mistura raiva com amor diz-me:
- Não te esqueças de passar aqui amanhã para levar o resto das tuas coisas.

Sunday, July 17, 2005

Jacarandá #2

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A minha personalidade tornara-se aço, dura, fria e forte. Rebeca estava agora com trinta e cinco anos feitos e adoptara uma postura de dominatrix indiana – sempre a controlar com requintes de filosofia oriental. Continuávamos a morar juntos, e nessa altura era comum amigos nossos passarem lá por casa como era o caso do Inominável.

Era um bom amigo, na altura, e íamos juntos para toda a parte. Passava a vida a telefonar para saber o onde me podia encontrar, consegui arranjar forma de trabalhar comigo, passávamos férias juntos, mesmo quando Rebeca não podia vir comigo. Éramos inseparáveis.

Nesse dia cheguei a casa mais cedo que costume. O meu trabalho era por empreitada, e nesse dia como tinha cumprido os objectivos todos mais cedo, resolvi ir mudar de roupa para ir dar um mergulho à praia. O carro do inominável estava estacionado à minha porta. Não achei estranho. Abri a porta e no corredor deparei-me com dois corpos nus. Eram eles. Fiquei de boca aberta e não consegui dizer nada.

- É exactamente isso que estás a pensar – disse-me Rebeca com um ar transtornado.

Passei por cima deles peguei numa cerveja e ao passar para a sala cuspi-lhes:

- Quando acabarem passem pela sala.

O Inominável chegou primeiro e com um sorriso pintado em cores de pastel perguntou-me se não lhe ia bater.

- O pior castigo que podes ter é eu não te tocar num fio de cabelo e tu teres de viver com isso para o resto da tua vida.

Sentia-me estranhamento calmo, sem nenhum sentimento de revolta. A traição não me estava a incomodar nem um pouco. Estava mais chateado com outros busílis. O puzzle começava a compor-se e algumas coisas começavam a fazer sentido.

Alguns objectos dele apareciam frequentemente semeados em casa. A sua insistência em acompanhar-me sempre não era mais que uma forma de controlo. A tentativa frustrada de se sobrepor às minhas palavras, opiniões, acções, não era mais que inveja transformada em competição.

Quem conhece Toblerone nunca mais quer chocolate Avianense. Rebeca estava a perder o bom gosto que a caracterizava. Passou de bestial a besta e de cavalo para burro com uma simples atitude, mas que se fodesse, não me ia chatear muito com essa questão.

Entrou e pediu desculpa pelo que acontecera, encarecidamente que eu lhe perdoasse o deslize.

- Vou fazer as minhas malas e vou-me embora. Tu ficas com quem quiseres, afinal já és crescida para decidir o que queres da tua vida. Sempre fui um puto à tua beira, mas neste momento posso e devo dar um sinal de maturidade, aquilo que pensei que tinhas pelos dois mas afinal enganei-me. Vou-me e nada do que possas fazer ou dizer me vai impedir.

Quando sai, ele estava à minha espera. Com o mesmo sorriso de sempre pediu desculpa.

- As desculpas não se pedem, evitam-se.

Nesse momento lembrei-me do que dizia um grande amigo meu «se reparares eu não tenho amigos burros» decidi que assim seria para o futuro, não daria azo a aproximações de mais burros na minha vida. São os piores, os gajos inteligentes sabemos do que são capazes, os burros, como estamos longe de entender a sua forma básica de pensamento, surpreendem-nos com merdas destas.

Conduzi até casa de uma amiga minha. Contei-lhe a ela e ao Jack Daniel’s o que se passara. Consolava-me com o seu eterno jeito, mas a minha frieza não queria que eu fosse consolado, afinal não havia necessidade para isso. Se calhar as coisas tinham que acontecer assim, estaria eu destinado a deambular pelo mundo sem mulher certa?! Se assim fosse não seria de todo desagradável.

Quando estamos apaixonados pouco ou nada importa, ficamos cegos e não damos importância a uma série de pequenos ratitos correndo pela relação que vão que no fundo até são bem grandes.


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