Monday, September 13, 2004

Génesis

Exactamente há 26 anos atrás, nasceu uma criança, que queria a onomástica dos seus pais, padrinhos, vizinhos e demais familiares, tomasse por seu verdadeiro e intransmissível nome, Orniciteplático. Há exactamente 26 anos atrás, porque por desejo da narração dos acontecimentos relativos à vida deste indivíduo, deveria e deverá ficar uma personagem intemporal, e por isso terá sempre 26 anos quando o leitor começar a ler este digitaluscrito. Desta forma também não se refere o local de nascimento porque podia ser em qualquer lugar, para além de não enquadrada num tempo também não o será no espaço.
No hospital da Misericórdia, as mobílias de cinza acetinado, os bisturis, a máquina de radiografias, o doseador de água do corredor, as batas, as máscaras cirúrgicas, os médicos, enfermeiros e anestesistas, parteiras e parturientes agiam com indiferença perante o nascimento desta, para já, inclassificável personagem, que como já referimos tomará o nome de Orniciteplático.
Ora, anos mais tarde este mesmo Orniciteplático seria encontrado, de uma forma muito descontraída e indiscutivelmente divertido na companhia de uma pessoa que seria responsável por – é melhor parar por aqui porque senão iremos na página vinte sem ainda termos saído do hospital.
Como narrávamos, antes de sermos rudemente interrompidos por uma pressinha de acrescentar elementos contemporâneos à história, Orniciteplático nasceu na indiferença de um frio hospital, mas de um amor quente e sincero, gerido inteligentemente pelos seus pais. Quente..., bem, tinha que ser quente para gerar uma forma de vida que se tornaria algo tresloucada, que não louca, com o passar dos tempos.
À semelhança de seu irmão, Orniciteplático fora gerado às portas do Outono, sem que ninguém tivesse tocado à campainha. Nesse tempo, o casal gerador não era possuidor do vulgar cinescópio, conversor de feixes hertzianos em raios catódicos, criando imagens que divertem e aparvalham a audiência, ou num palavreado mais acessível, não tinham televisão. Assim a única forma de diversão e distracção era a aplicação de todas as energias em estudos de anatomia do sexo oposto. Os geradores, novos e ainda com privilégios de descobridores de novas sensações e emoções, primavam por dia após dia, levantar pelo menos um novo Padrão dos Descobrimentos, como marca conclusiva da dádiva de novos mundos ao mundo. E deram, Orniciteplático, ao mundo.

A noite fria entrou-lhes pelas frinchas da porta insuficientemente calafetada. Esta, com o último quarto inferior da área forrado a chapa, era um convite à junção de corpos, como se isto fosse necessário. Do quarto dos geradores ouvia-se o choro do, que seria o, futuro irmão de Orniciteplático na divisão ao lado. A Geradora levantou-se e remediou a situação com carinho e calor, de mãe dedicada, e acalmado o petiz juntou-se ao companheiro. Sem mais imagens, que não a dos seus corpos, socorreram-se destes para ilustrar a felicidade a que estavam condenados e, aquecendo-se de forma já sobejamente conhecida, geraram uma nova vida.
Anos mais tarde Orniciteplático gozaria com os pais dizendo que naquele tempo quando o frio apertava e não havia televisão, os pais também de alguma forma se apertavam mutuamente, fazendo verdadeiras longa-metragens.
Quando mês e meio depois a Terra disse ao Seminador que nova safra lhe brotava já no útero, o Gerador ficou feliz e com esperança que fosse uma menina, compunha-se o desejado casal e fechava-se a linha de produção. Sete meses e meio depois, mais coisa menos coisa, ainda a suar em bica, ao vislumbrar o pequeno apêndice viril entre as pernas do seu secundigénito pensou, posso voltar a tentar, alguma vez há-de acontecer.

Comments:
brilhante!O Orniciteplático promete...ainda não arranjaste consciência para o gajo?
 
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