Monday, November 15, 2004

Primo Amore II


Estava morta! Os seus sentidos confundiram-se numa mole ensanguentada. O seu nariz aquecia-lhe a cara como tantas vezes o seu tacto tinha feito, não por fricção mas por fluxo. O vermelho tingiu-lhe ainda mais os lábios de vermelho e a barba tornou-se ferrugenta, como se a frieza metálica tomasse conta da sua face.

Chorou pela boca, vomitou toda a vontade que tinha dentro de si, a vontade de dizer o que lhe faltava dizer e nunca mais lhe diria pessoalmente. O almoço saiu borbotado, pintando o soalho de multicolor, enquanto o seu cérebro espalhava imagens difusas de como foi, será e deveria ser...

O quadro estava quase completo não fossem os seus olhos adquirir a tonalidade e textura de chumbo. Correu desenfreadamente em direcção ao corpo inerte, morto, pétreo, branco. Com as mãos transmitiu o calor de que foi capaz, àquela posta de carne que merecia continuar a viver para lhe dar as alegrias, há muito prometidas com sorrisos e olhares cúmplices.

O mármore do chão, rosa, incorporou a imagem estendida e como um sudário adquiriu a forma, a cor, o calor, tornando-se flácido e de uma forma ainda não conhecida, humano.

Ao fim desses anos todos tinha tido por fim a coragem para entrar em contacto com Ela, mas encará-la desta forma e não obter uma reacção, fazia-o entrar numa dimensão irreal, estúpida, irreal!
Nessa manhã a insónia atormenta-o.

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