Wednesday, December 01, 2004

Scriptorium III

Eis que a epifania que tivera foi confirmada com plenitude pelas palavras reveladoras do seu professor. Nunca tinha discutido o tema com ninguém e tinha a sensação que era um pária da sociedade. Sempre fora precoce em muitas coisas e muitos amigos o caracterizam com a expressão “és muito à frente”. Embora não concordasse com a forma como se exprimiam, muitas vezes se interrogava se não seria verdade, se não viveria numa sociedade que era ou muito adiantada ou atrasada para a velocidade do seu pensamento.

Seis anos depois de ter prometido a si próprio que nunca mais verteria uma lágrima, a introspecção obrigou-o a fazê-lo. Farto de ser controlado pela sociedade reafirma a vontade de cumprir o que o coração lhe dita e ser o vagabundo que sempre ambicionou ser.

Pensa em tudo o que as pessoas lhe dizem “que tens que assentar”, “está na altura de começares a ter juízo”, “que estás a fazer da tua vida?”, “o que queres fazer daqui para a frente?”

Toda a vida estivera agrilhoado a todas as conveniências da sociedade, tentando com teimosia subtrair-se a elas. Conseguira, aos poucos ir desviando a atenção de quem o rodeava e lhe vigiava os movimentos e intenções, sob uma capa de irresponsabilidade, desculpas, comportamentos de miúdo que teima em não crescer, mas no fundo a revolução intestina ia ganhando qualidades e armas para a guerra que se avizinhava.

“Vou mandar e desmandar, não viverei mais sobre a ditadura desta sociedade podre e corrupta que nos impõe aquilo que acha correcto mas não é de longe nem de perto melhor para nós! Vou castigar ou ser castigado a meu bel prazer. O meu livre arbítrio é o meu fio condutor e não vou deixar que o amordacem. Vou fazer o que os outros querem fazer mas não têm coragem para ir em frente.”

Era nestes moldes que a ainda verde consciência de Orniciteplático se movia e alimentava. Não que se considerasse superior aos outros, pura e simplesmente achava que era diferente e que entre viver uma vida em que as regras fossem viciadas e ditadas pelos outros, dentro de uma boa conjuntura económica, ou viver por aí sem monotonia e com o suficiente para viver em paz consigo próprio, escolhia a segunda e estava decidido a fazê-lo.

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