Tuesday, June 21, 2005

Geração de 70


Guerra Junqueiro


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Mesa ao lado, dois traçadinhos antes.
Uma cabeça morena ouvia as palavras de Narciso com atenção.

“O romance não é mais do que uma tentativa de auto-afirmação, aliás, qualquer tipo de literatura é em grande parte um exercício de narcisismo.
Escrevemos com o intuito primordial de transmitir algo que nos vai na alma, mas este altruísmo escrito, não é mais que uma capa para a verdadeira razão que nos move a pena.
“Já Garcia Marquez dizia isso numa passagem de «Em busca das chaves de Melquíades», a desconstrução de «Cem Anos de Solidão», o livro escrito pelo irmão. O Elígio…”

“Já morreu, sabiam?” Mercúrio interrompeu Tântalo.

“Não, por acaso não sabia” e continuou “Bem, mas Gabito dizia que desde miúdo, o ilusionismo e a escrita eram as duas formas que arranjara para os amigos gostarem mais dele.”

“Lá está!” proclamou Narciso “É uma forma de narcisismo! Gabito é antes de mais uma pessoa insegura, ou era, e como tal, para poder escrever tem que alimentar a autoconfiança, e de que melhor forma o pode fazer, senão alimentar o seu ego através de influências exteriores?!
Rasga e volta a rasgar os seus rascunhos, com os amigos em desespero, sempre a dizer-lhe que a sua escrita é óptima, fora de série, por entre álcool e mulheres com fartura. No seu íntimo acredita que sim, que é excepcional, mas transmite sempre aquela falsa modéstia. Para ilustrar a consciência que tem deste facto, que melhor que uma famosa frase em relação aos «Cem Anos de Solidão» que dita que o mais difícil foi escrever a primeira frase, e que depois ficou aterrorizado em relação ao que iria escrever a seguir.
Para mim, foi só fachada para que os amigos lhe dissessem que era magistral, não era costume nem nada.”

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