Sunday, July 17, 2005
Jacarandá #2
A minha personalidade tornara-se aço, dura, fria e forte. Rebeca estava agora com trinta e cinco anos feitos e adoptara uma postura de dominatrix indiana – sempre a controlar com requintes de filosofia oriental. Continuávamos a morar juntos, e nessa altura era comum amigos nossos passarem lá por casa como era o caso do Inominável.
Era um bom amigo, na altura, e íamos juntos para toda a parte. Passava a vida a telefonar para saber o onde me podia encontrar, consegui arranjar forma de trabalhar comigo, passávamos férias juntos, mesmo quando Rebeca não podia vir comigo. Éramos inseparáveis.
Nesse dia cheguei a casa mais cedo que costume. O meu trabalho era por empreitada, e nesse dia como tinha cumprido os objectivos todos mais cedo, resolvi ir mudar de roupa para ir dar um mergulho à praia. O carro do inominável estava estacionado à minha porta. Não achei estranho. Abri a porta e no corredor deparei-me com dois corpos nus. Eram eles. Fiquei de boca aberta e não consegui dizer nada.
- É exactamente isso que estás a pensar – disse-me Rebeca com um ar transtornado.
Passei por cima deles peguei numa cerveja e ao passar para a sala cuspi-lhes:
- Quando acabarem passem pela sala.
O Inominável chegou primeiro e com um sorriso pintado em cores de pastel perguntou-me se não lhe ia bater.
- O pior castigo que podes ter é eu não te tocar num fio de cabelo e tu teres de viver com isso para o resto da tua vida.
Sentia-me estranhamento calmo, sem nenhum sentimento de revolta. A traição não me estava a incomodar nem um pouco. Estava mais chateado com outros busílis. O puzzle começava a compor-se e algumas coisas começavam a fazer sentido.
Alguns objectos dele apareciam frequentemente semeados em casa. A sua insistência em acompanhar-me sempre não era mais que uma forma de controlo. A tentativa frustrada de se sobrepor às minhas palavras, opiniões, acções, não era mais que inveja transformada em competição.
Quem conhece Toblerone nunca mais quer chocolate Avianense. Rebeca estava a perder o bom gosto que a caracterizava. Passou de bestial a besta e de cavalo para burro com uma simples atitude, mas que se fodesse, não me ia chatear muito com essa questão.
Entrou e pediu desculpa pelo que acontecera, encarecidamente que eu lhe perdoasse o deslize.
- Vou fazer as minhas malas e vou-me embora. Tu ficas com quem quiseres, afinal já és crescida para decidir o que queres da tua vida. Sempre fui um puto à tua beira, mas neste momento posso e devo dar um sinal de maturidade, aquilo que pensei que tinhas pelos dois mas afinal enganei-me. Vou-me e nada do que possas fazer ou dizer me vai impedir.
Quando sai, ele estava à minha espera. Com o mesmo sorriso de sempre pediu desculpa.
- As desculpas não se pedem, evitam-se.
Nesse momento lembrei-me do que dizia um grande amigo meu «se reparares eu não tenho amigos burros» decidi que assim seria para o futuro, não daria azo a aproximações de mais burros na minha vida. São os piores, os gajos inteligentes sabemos do que são capazes, os burros, como estamos longe de entender a sua forma básica de pensamento, surpreendem-nos com merdas destas.
Conduzi até casa de uma amiga minha. Contei-lhe a ela e ao Jack Daniel’s o que se passara. Consolava-me com o seu eterno jeito, mas a minha frieza não queria que eu fosse consolado, afinal não havia necessidade para isso. Se calhar as coisas tinham que acontecer assim, estaria eu destinado a deambular pelo mundo sem mulher certa?! Se assim fosse não seria de todo desagradável.
Quando estamos apaixonados pouco ou nada importa, ficamos cegos e não damos importância a uma série de pequenos ratitos correndo pela relação que vão que no fundo até são bem grandes.
bem se for tenho pena por ti ou pelo outro envolvido, talvez não seja pena mas pelo contrário contentamento pela evolução que sofreu.
Claro que não se deve ler o que te escreveste no trabalho, é que a empatia causa súbitos enxames de cloreto de sódio nas pupilas.
Gosto muito de ti.
mais importante é tentar aprender alguma coisa ao ler e ao escrever.
Hugo: Empatia esse grande monstro das estepes africanas...
Não acredito que este caso, assim contado, possa tornar o personagem mais frio e calculista... Não quero crer.
Um abração
não sei se isto é para rir, mas adorava reagir assim numa mesma situação!!! "- Quando acabarem passem pela sala." é lindo!!
e esta então é de uma segurança e alter-ego... "Rebeca estava a perder o bom gosto que a caracterizava"
podia ficar aqui o resto do serão a rir de cada frase... a do toblerone é perfeita!! ahahah
se isto é assunto sério, peço já desculpa por me estar a rir ahahahah
p.s. A escrita flui e a qualidade aumenta... Abraços
Abraço como nunca te dei.
espera aí nunca te dei um abraço ou é impressão minha?!
Voudaquiparaali: agora disseste tudo!
beijo
obrigado, fizeste-me rir ao reler o que escrevi!
Quiosk: Sempre em grande!!!
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